Manuel Godinho de Seixas
Manuel Godinho de Seixas
Canção
Qui creavit me, requevit in tabernaculo meo
(Eclesiástico, XXIV, 12)
Mote
Um Templo a Deus dediquei
Em Mafra pedregosa,
Primor de todo o edifício
Que contém em si a Europa
Glosa
I
Fiz em meus Reinos erigir
Edifícios singulares,
E reedifiquei Altares,
Que estavam para cair:
E de Roma mandei vir
Com liberal mão de Rei
Uma só Capela, e sei
Que em todo o globo rotundo
Para admiração do mundo
Um Templo a Deus dediquei.
II
Em o sítio mais inculto,
Lá nessa remota parte,
Polida com culto, e arte,
Quis que Deus tivesse culto:
Quis pelo meu voto oculto
Que minha mão vigorosa
Se ostente em terra fragosa;
Montes altos humilhei,
Cultos a Deus tributei
Em Mafra pedregosa.
III
À mais bela arquitectura
De que todos mais se admiram
Na pedra ali esculpiram
Como do risco a pintura:
Em tudo é obra tão pura,
Que no modo dá indício,
Além de ser sacrifício
Para Deus nunca com excesso
É sim de excessivo preço
Primor de todo o edifício.
IV
Toda a recopilação
Da perfeição mais perita
Aos mais sábios excita
Para intensa admiração:
Todo o que com atenção
Na obra com os olhos topa,
Em admirações se ensopa,
E diz em silêncio mudo,
Que é compêndio de tudo,
Que contém em si a Europa.
Panthetria Pathetica e Miscellania em os progressos, e morte do sempre memoravel Rey de Portugal D. João V. Lisboa, Oficina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Oficio, 1750
Manuel Godinho de Seixas
Romance decassílabo
Venite ergo, fruamur bonis, quae sunt
(Sabedoria, II, 6)
Da Arquitectura cinco ordens grandes
Ornam a fábrica mais sumptuosa,
Pasmam todos os homens peritos,
Admirados de obra tão boa.
Estrangeiros; que vêm de mil partes
De Portugal a ver a Coroa,
E com a boca aberta ficando
Todos vão bem satisfeitos da obra.
Estimar Portugueses não sabem
A maravilha tão sumptuosa,
E murmuram que a tal maravilha
Fazer mandasse, em parte remota.
O Escorial de Castela pasmado,
E de Versalhes as Fontanas todas,
E de Roma magníficos Templos,
Todos a Mafra tributam coroas.
As maravilhas sete do mundo
Vão a boca calando já todas,
E de Grécia as estátuas prostradas
A Mafra Lísia aplicam as honras.
Anunciem os signos desse orbe,
Que no mundo não há melhor coisa
Porque lá dessas casas Celestes
Na terra coroam com luzes a obra.
O precioso do mundo encerrado,
E as perfeições ali estão todas
Para exemplo das obras mais ricas,
Que erectas forem na nossa Europa.
Ali venham os sábios do mundo
Aprender pelas regras mais doutas.
Pois de Mafra o Convento dá regras
De Arquitectura, e das ordens todas.
O Edifício por partes tomado
Às quatro partes do mundo assombra,
E tomado por partes, ninguém
Imperfeição considera em todas.
Obra foi muito Real do meu braço,
Porém não empenhei a minha Coroa,
E foi mais o que fiz desperdício
Do que o culto grande de toda a obra.
Ficou quase completa e perfeita,
A meu filho acabá-la só toca,
Minha Coroa lhe deu o princípio,
É justo que a acabe outra Coroa.
Para mais realçar o meu lustre,
De Clero erigi tão sumptuosas
Basílicas três, nesta cidade;
Para assombro da roubada Europa.
É o Primaz o meu Patriarca,
O que nunca sonhou a Espanha toda,
E só por mim na antiga Cidade
Se viu erigida coisa tão nova.
A Patriarcal a tudo excede
Em riquezas, e em toda a mais pompa,
Donde se vê da Corte a nobreza
De Cardeais, e Bispos com honras.
Um milhão, mais trinta mil cruzados
Sua grandiosa renda importa,
Pagos todos os gastos sobeja,
Para nunca haver falta, sim sobras.
Do corpo de Deus sacramentado
Procissão erigi com mais pompa,
Para que vissem minha Fé viva
Estes cegos, que aquela têm morta.
Fiz levantar arcos de triunfo
Ao Rei Soberano da Glória,
Que entre os homens existe na terra
Debaixo da nuvem prodigiosa.
O Tribunal da Fé conservando
Fui em meu Reino com Fé tão devota,
Que de hereges as duras cabeças
Em seus actos cortando vai todas.
Panthetria Pathetica e Miscellania em os progressos, e morte do sempre memoravel Rey de Portugal D. João V. Lisboa, Oficina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Oficio, 1750