Joaquim Simpliciano do Canto
Joaquim Simpliciano do Canto
Romance Cronológico-Histórico
[…]
Calo de Mafra a sumptuosidade,
Que não cabe em discurso humilde, e tosco
Decifrar de seus mármores polidos,
Da grandeza os emblemas primorosos.
Só de Monarca tal pôde a piedade
Não ofender de Pedro o humilde voto;
Porque medindo-o por seu génio augusto
Com ser tão avultado, o julgou pouco.
Os seus claros heróis progenitores
Ilustraram no Oriente o régio trono;
Mas para ter de Sol inteira esfera
Do ocidente ilustrou só ele o pólo.
Eclíptica pequena uma Cidade
Viu, para dar, seu giro luminoso,
Outra estabeleceu; porque pudesse
Em mais domínio dilatar o sólio.
Não só uniu Cidades, mas Impérios
Enlaçou liberal, dotou grandioso:
Pasmos soltou, ligando liberdades;
Nos indultos dos sacros desposórios.
Para sempre mostrar, que em sua esfera
Até eternizou claros os voos,
Fez zénite a união, onde pararam
De seus raios os círculos famosos.
Passo dos edifícios a grandeza,
Que admiro em templos, que em palácios noto,
Que para escurecer a Egípcia fama
Não careciam alguns do último adorno.
Entro a ver os Ministros soberanos,
Que nos templos assistem, e entre todos
O sagrado Tomás, primeiro em tudo,
A quem o nome basta para encómio.
Quis deixar um modelo da grandeza,
De seu ânimo digno desafogo,
Criou um Patriarca, onde se uniram,
Com os dotes reais, méritos próprios.
A púrpura lhe uniu alto conceito,
Consumou nela o espírito notório,
Que animada do sangue régio, e ilustre
Está nascendo nos sagrados ombros.
Se da Patriarcal lembrar-me quero
Em pélago tão alto perco o acordo,
Igualando o debuxo da grandeza,
Mais do que o seu espírito, o seu gosto.
Nas Igrejas, Basílicas, Bispados
Ministros graduou em muitos coros,
Para que a maior Rei se consagrasse
Não só culto maior, porém mais novo:
Agradecido o Sol do Vaticano
A tanta devoção, e zelo heróico,
Lhe Chamou FIDELÍSSIMO: alta empresa
Da Coroa imortal, Ceptro piedoso!
Foi Monarca feliz, e do seu peito
Qualquer respiração era um assombro:
Para fazer felizes os vassalos
Ilustrou a nobreza, amou o povo.
Foi claríssimo espelho da prudência,
Mas como em ver-lhe as glórias me remonto?
Tão assombradas são, que elas só podem
Ter, entre tanta mágoa, o peito absorto.
[…]
Culto Funebre à memoria sempre saudosa de Fidelissimo Augusto, Magnifico, e Pio Monarca o Senhor D. João V, Rei de Portugal. Collecção III. Lisboa, Oficina de Francisco Luís Ameno, 1750, p. 55-57
Joaquim Simpliciano do Canto
Endechas
[…]
Desse Monarca Heróico,
Que chegas a ocultar-nos:
Repara o que conserva
A lembrança fiel dos seus vassalos.
Pois bem que às vozes sirva
Apenas de embaraço,
Lágrimas, e soluços
Serão termos mais próprios neste caso.
Como pode esconder-se
Em tão pequeno espaço,
Quem soube encher o mundo
De benefícios, de respeito, e pasmo?
Para os Templos devoto
Concorreu pio, e largo,
Reparando ruínas
De uns, e outros de novo edificando.
Como igualava o zelo
Ao ânimo bizarro,
Correspondia ao culto
A profusão magnífica do ornato
Diga-o de Mafra o Templo
Majestoso teatro,
Donde em cada prodígio
Deixou do seu espírito um retrato.
Sempre a Igreja achou nele
Pronto socorro, e quando
Quis o Turco ofendê-la,
Correu por sua conta o desagravo.
Destas acções sublimes
Movido o Vaticano
Mandou que por primeiro
Fidelíssimo Rei fosse aclamado.
Sobre estes fundamentos
Firmou o seu reinado,
E qual outro Pompílio
Fechadas teve as portas do Deus Jano.
E ainda que o Reino ocioso
Se arrisca a grandes danos,
Com justas leis se via
No sossego da paz aproveitado.
Provida a natureza
O seu Reino aumentado,
Na terra produzia
Em breves pedras multidões de raios
Todo estes tesouros
Devemos ao cuidado,
Com que em paz nos manteve,
Que a guerra só produz tristes estragos.
[...]
Culto Funebre à memoria sempre saudosa de Fidelissimo Augusto, Magnifico, e Pio Monarca o Senhor D. João V, Rei de Portugal. Collecção III. Lisboa, Oficina de Francisco Luís Ameno, 1750, p. 86-87.