Anónimo
Padre Nosso glosado pelos homens que andavam nas obras de Mafra trabalhando sem se Ihe[s] pagar
Rei, e Senhor poderoso
humilde[s] vos invocamos
e todos a vós clamamos
Padre nosso
Arrastado o Reino vosso
pelo que a obra compreende
e nenhum de nós entende
que estais nos Céus
Cuido que ofendeis a Deus
em fazer empresas tais
e não nos parece que estais
Santificado
Olhai Rei o grande brado
e concedei muito atento
que só para o pagamento
Seja
Para que este Reino veja
desmentida a crueldade
e se louve com verdade
O Vosso Nome
Atendei à grande fome
que o Reino está padecendo
ao que nos estais devendo
venha a nós
Sabei que não somos sós
se não os filhos também
e que bastante ouro tem
O Vosso Reino
Se quereis fazer Mosteiro
que cause admiração
pagai‑nos e logo então
Seja feita
Todos com vontade estreita
logo hão-de obedecer
e desejar de fazer
a vossa vontade
Reparai que dizer há-de
qualquer estrangeiro ousado
É vosso brio ultrajado
assim na terra
Isto é pior que a guerra
e assim com grão desventura
tanto por cá se murmura
como nos Céus
Como se pedirá a Deus
vossa vida entre as mais
se vós, Senhor, nos não dais
O pão nosso
Pagar tributos não posso
o mesmo dizem os mais
pois com a paga nos faltais
de cada dia
Se uma obra quase pia
acaso fazer quereis
tudo quanto nos deveis
nos dai hoje
O Reino deitado ao longe
todo o crédito arrastado
se vos mostrais agravado
perdoai-nos
Rei, e Senhor ajudai-nos
que esta súplica convém
que é para pagar também
as nossas dívidas.
Que fará quem tem famílias
sem mais renda que o Homem
que estão morrendo de fome
assim como nós
Agora julgai bem vós
o que estes de vós dirão
mas o que nos deveis, não
perdoamos
Já não temos que vendamos
nem coisa com que suprir
muito menos que pedir
aos nossos
Porque os desgovernos vossos
nos trazem postos por terra
e também nos fazem guerra
devedores
Todos faltam aos primores
por esta obra real
por ela em tormento tal
não nos deixeis
Que furtemos não quereis
eu não sinto outro despique
quando vejo tanto a pique
cair
Cuidai, Senhor, em suprir
as vozes que o Céu está dando
pois andamos tropeçando
em tentação
Abri, Senhor, vossa mão
mostrai as vossas grandezas
e de cair em baixezas
livrai-nos Senhor
Se sois entre os Reis a flor
conhecido entre os mais
com a paga nos livrais
de todo o mal
Publique-se em Portugal
vossa rectidão e luz
para que todos digamos
Amen Jesus.
Biblioteca Pública e Arquivo de Évora: ms. cod. CV/1‑9.
Anónimo
Romance
O nosso Rei Dom João
o 5° no nosso tempo
partiu ao lugar de Mafra
para fundar um convento.
Mafra até [a]qui sem nome
agora tão afamada
andas nas bocas do mundo
com tão grande nomeada.
Foi toda a Corte assistir
nesta função festival
o Patriarca também
que fez o Pontifical.
Um grande altar se levanta
na área daquele templo
mas como foi tão sublime
lhe causou ruína o tempo.
Mas com grande diligência
logo outro se levantou
inda que não tão sublime
na majestade igualou.
E sem que muito encareça
a forma da instrutura [=estrutura]
muito mais subiu de ponto
na ordem, e Arquitectura.
Foi peregrina esta fábrica
singular e toda rica
ornada de tanto ouro
que toda foi maravilha.
Debaixo dela um altar
se obrou com tal adorno
que o menos que o fez grande
é o muito que teve de ouro.
Telas, brocado e prata,
e tesuns de mais valia
lhe serviram de ornato
como também pedraria.
É de prata ao martelo
o altar, que é portento
de tão singular primor
que excede o encarecimento.
Tudo se armou com grandeza
de seda, e rica armação
com tão grande Majestade
que causou admiração.
Não émuito que assim fosse
pois o espírito real
obra excessos de Monarca
dispõem com mão liberal.
Em dezasseis de Novembro
será dia neste mês
dedicado à fundação
de António Português.
No ano de setecentos
além mais de dezassete
lançou-se a primeira pedra
do Templo paraalicerce.
É dedicada esta casa
ao santo Português
António que é luz do mundo
p'la mercê que lhe fez.
Guarda a forma de uma cruz
que é a defesa da fé
disposto com tal grandeza
que uma maravilha é.
Tem el Rei tal Majestade
que nada lhe é igual
porque a todos premiou
com mão larga, e liberal.
Todos ficaram contentes
do agrado com que obrou
nas galas com que luziu
no rico com que lustrou.
Não se conta em tempo algum
excesso tão singular
nem das memórias se conta
outra tal em Portugal.
É tão magnífico este templo
que se não acha segundo
e assim se pode contar
por maravilha do mundo.
Assim se fica bem vendo
que esta obra é singular
e que a perder de vista
fica o grande Escorial.
Agora vejam bem todos
quanto excede nesta vez
ao valor de um Filipe
o valor de um Português.
[A]inda no seu advogado
mostra o realce fino
que Lourenço logra a glória
mas António a Deus Menino.
Lançaram a primeira pedra
com aplauso na função
assistindo a Majestade
do grande Rei D. João.
É dia de São Gregório
grande doutor da Igreja
que este memorável dia
[a]inda este santo o festeja.
Pois da milícia de Cristo
sois António grão soldado
contra nossos inimigos
sede com Deus advogado.
E a quem vos funda casa
com despesa tão sem conta
sejais seu intercessor
tomando por vossa conta.
Fazei ditoso este Templo
pois tendes de vossa mão
a Deus Menino e Senhor
vosso amor, vossa afeição.
Dilatai anos de vida
a quem com mão liberal
despende com tal grandeza
em obra tão singular.
Parece de Salomão
este templo afamado
pela gente que se ocupa
de contínuo em seu trabalho.
Alcançai António Santo
de Deus Menino humanado
a quem vos dedica o Templo
saúde para acabá-lo.
E que com jubileu santo
e com gosto sublimado
possa ver o Sacramento
em seu altar venerado.
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra: ms. 50, fl. 34-36